sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Augusto dos Anjos



IDEALISMO

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
-- Alavanca desviada do seu fulcro --

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

O CAIXÃO FANTÁSTICO

Célere ia o caixão, e, nele, inclusas
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como em sonho dos selvagens
De aberratórias abstrações abstrusas!

Nesse caixão iam talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmannicas visagens
Enchiam o meu encéfalo de imagens
As mais contraditórias e confusas!

A energia monística do Mundo,
À meia noite penetrava fundo
No meu fenomenal cérebro cheio...

Era tarde! Fazia muito frio.
Nas ruas apenas o caixão sombrio
Ia continuando o seu passeio!

SONETO

Canta teu riso esplêndido sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados.

Bendito o riso assim que se desata
- Citara suave dos apaixonados,
Sonorizando os sonhos já passados,
Cantando sempre em trínula volata!

Aurora ideal dos dias meus risonhos,
Quando, úmido de beijos em ressábios
Teu riso esponta, despertando sonhos...

Ah! Num delíquio de ventura louca,
Vai-se minh'alma toda nos teus beijos,
Ri-se o meu coração na tua boca!

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