sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Poemas de Fernando Guilherme Azevedo

Sou um estrangeiro que passa por mim.
Alheio, disperso.
A transfiguração da idade
Aclara-me, mas névoa.)
A imprecisão atómica do mundo
Sempre nos conduz a uma inabitação
Das coisas que nos entram pelo olhar
Como chama trémula a morrer na calçada.
As pedras.
As imemoriais pedras dos monumentos
Gritam, chamam por nós.
Como se o último, verdadeiro segredo
Fosse retornarmos às estátuas que fomos,
Divindades latentes nos passos que cruzamos
Nos passos uns dos outros.
Porque os caminhos são eternos,
E as fontes sempre jorrarão,
Como crianças leitosas a alcançar-nos
Uma outra forma do mundo
Que finalmente proporcionará repouso,
Estrelas sonolentas no húmus dos olhos.

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Ser solitário é um estado de alma
Que perpetua lençois brancos,
O branco da castidade.
O homem solitário tem no seu olhar
A virgindade com que adora os outros homens,
Com que beija impoluto a Mulher-Mãe.
Ser solitário não é necessáriamente sofrimento,
Porque há encontro dentro de nós,
Na mais íntima construção da fortaleza
Que vence o tremor de flores delicadas
Que, qual verme, por vezes nos assalta de incredulidade.
Ser solitário é sobretudo estar predisposto,
Preparado para não mais o ser,
E de novo voltar a si próprio e à auto-companhia
Quando os ventos dos rostos e dos mundos
Devolvem a acidez onde só a ermida dela nos protege...

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O último telejornal
Germina opiniões especializadíssimas!
Todos comentam as últimas informações
Com uma sabedoria
Que quase são ministros filósofos.
Relembram-se treinos militares
E emborca-se imperiais.
Eu, querendo sossego,
Não mais que verdadeiro, pacífico sossego,
Oiço tudo isto
Como alguém que vem de muito longe.
Tento a todo o custo não escutar,
Mas eles teimam, eles são sábios
Assim, troco forçosamente
As memórias daquela que amo
por uma quase-morte do sentir
Genuinamente.
Oh, tenho tanta pena...
Que esta gente
não se evapore ou emigre,
Ou prepare a cama
Para nunca mais acordar!

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